No universo do Sobrevivencialismo é um consenso entre os entusiastas e participantes que a vida numa cidade de menor porte ou diretamente em uma área rural é mais interessante pela possibilidade de uma relativa auto sustentabilidade e pelo distanciamento das massas humanas dos grandes centros.
Mas sem dúvidas, ninguém quer, ao investir os recursos de que dispõe na aquisição de um imóvel de características rurais, que essa compra venha acompanhada de problemas legais.
Apesar do sistema legal/jurídico possuir mecanismos para se procurar compensações pelos problemas e prejuízos que o comprador possa vir a ter, esses mecanismos são lentos e na maioria das vezes ineficazes em servir de uma justa e real compensação por todo o transtorno que o adquirente pode sofrer, inclusive em casos extremos o mesmo pode ser impedido de explorar a terra e até mesmo perder o imóvel.
Em razão disso vamos tratar aqui, de forma bastante simplista e sucinta dos cuidados a nível legal e jurídico que o adquirente do imóvel deve ter. Desde já advirto que usaremos de termos mais acessíveis a todos e assim evitarmos um linguajar e um jargão aplicável a um processo judicial ou a um trabalho acadêmico.
REGISTRO IMOBILIÁRIO
Em primeiro lugar para maior segurança o imóvel deve estar registrado em nome dos vendedores, no cartório de registro de imóveis de competência da localidade onde ele está situado. Geralmente se diz que está escriturado, mas estar registrado vai além, procure na escritura a anotação do Registro de Imóveis (geralmente carimbos e selos próximos à assinatura final da escritura) ou ainda melhor, solicite no registro de imóveis da localidade, o inteiro teor da matrícula do imóvel.
MATRÍCULA
A matrícula do imóvel é um número de identificação que o mesmo recebe no cartório de registro de imóveis (não se confunde com número dado pela prefeitura ou de outros cadastros como o CAR, por exemplo). Em termos práticos hoje todos os imóveis possuem uma matrícula identificativa, mas às vezes é a parte menor de um imóvel maior que não foi desmembrado legalmente, daí a parte citada não terá uma matrícula própria.
Caso não saiba o numero da matrícula, o que não é bom sinal, pode se tentar encontrar pedindo pesquisa no Cartório de Registro Imobiliário pelo nome do vendedor ou mesmo pelo endereço do imóvel.
Com o Inteiro Teor fornecido pelo Cartório de Registro do Imóvel (documento fornecido com toda a “vida” do imóvel), na matrícula deverá constar:
- O número do CAR (Cadastro Ambiental Rural);
- A averbação (indicação) da Reserva Legal (área não inferior a 20%, como regra, de proteção de fauna e flora nativa);
- O número do NIRF/Cafir (Número do Imóvel na Receita Federal-RFB/ Cadastro de imóveis rurais administrado pela Receita Federal do Brasil-RFB);
- A identificação precisa do imóvel por georreferenciamento (GPS);
- Eventuais gravames (limitações) legais ou judiciais (ex. hipoteca, penhor rural, servidão de passagem, entre outras);
- Todos os dados dos atuais proprietários vendedores.
CERTIDÕES
Com estes dados em mãos, o próximo passo é buscar as certidões negativas dos vendedores junto à:
- Receita Federal;
- Receita Estadual;
- Receita Municipal.
Além destas,
- As certidões negativas de débitos trabalhistas junto ao TST;
- As certidões negativas de distribuição de feitos (processos) em nível de Justiça Federal e Estadual.
Também com os dados conseguidos é possível junto ao cartório solicitar uma Certidão Negativa de Indisponibilidade de Bens (esta somente poderá ser feita em cartório) e também consultar o código do CAR para saber se o imóvel está com seu cadastramento ambiental regular (para facilitar consulta do CAR consiga número do recibo de entrega do CAR junto ao vendedor e a senha de acesso dele).
SERVIÇOS PÚBLICOS
É importante ver com as concessionárias de serviços públicos ligadas ao imóvel se o mesmo está em dias, a exemplo, energia, água, internet etc. Assim evitando problemas na tentativa de eventual religação ou da transferência de titularidade.
Superada essas cautelas, o negócio será feito em bases seguras ao adquirente quanto ao aspecto de legalidade.
FORMAS DE COMPRA E VENDA
Aconselho que o ato de venda e compra seja feita por Escritura Pública, assim o Registro desta no cartório de imóveis para a transferência de propriedade entre vendedores e compradores dificilmente possuirá qualquer erro formal que impeça a sua realização.
Entretanto, é muito comum a opção por comprar um imóvel através de contrato particular, geralmente um contrato de compromisso de compra e venda, vinculando a emissão de Escritura Pública e transferência de propriedade no registro imobiliário ao final de pagamentos, que usualmente são parcelados.
Nesta segunda opção, nenhuma ilicitude existe, devendo se tomar os cuidados já citados, mas também subscrever o contrato com duas testemunhas, além das assinaturas dos contratantes, e que as assinaturas (firmas) sejam reconhecidas em cartório, dificultando com isso a alegação de que a assinatura é fraudulenta e ainda fazendo prova de quando o documento foi devidamente assinado, o que é bastante interessante caso seja preciso judicializar conta terceiros a realização do negócio, provando desde quando ele foi firmado (assinado) pelas partes.
NEGOCIAÇÃO COM O POSSUÍDOR DO IMÓVEL
Em algumas situações o vendedor não tem a propriedade do imóvel, tendo apenas a posse do mesmo, pois age sobre o imóvel como se dono fosse, contudo não o tem registrado em seu nome no registro imobiliário.
E nesses casos existe segurança na compra? A melhor resposta é DEPENDE DE CADA CASO! Quando não se tem a propriedade, mas sim, a posse do imóvel, estando ele registrado no cartório de imóveis em favor de outrem, ou seja, o imóvel tem matrícula. A transferência da posse do antigo proprietário para o atual possuidor, é possível, tornando-se de fato proprietário do imóvel e registrando esse através de usucapião, que é a aquisição da propriedade por meio da posse, agindo como dono por determinado período de tempo (dentre outras formas).
Contudo isso envolve ato que pode ser extrajudicial ou judicial, mas que é para a grande maioria das pessoas extremamente burocrático (se extrajudicial), ou demorado (se judicial), além dos custos inerentes a esses atos que não costumam ser acessíveis, ainda mais depois do dispêndio econômico da compra.
Atenção: Nem todo tipo de posse e nem sobre todo imóvel se pode fazer usucapião para ser proprietário. Tomando os cuidados já citados e analisando se a posse e o imóvel permitem usucapião, o risco de aquisição é mínimo.
CONCLUSÃO
Em linhas gerais esses são os cuidados necessários à aquisição de um imóvel sem que sob o aspecto legal se tenha problemas futuros e se possa assim aproveitar tranquilo, nos limites da legalidade, a terra tão sonhada.
Texto escrito por Kleber Araujo Valença – Advogado especialista em Processo Civil com ampla experiência em Direito Civil/Coisas.