Durante todos esses últimos acontecimentos na Síria, tenho recebido muitas perguntas sobre como era viver numa cidade sitiada. Então, hoje irei compartilhar alguns detalhes sobre esse tipo de situação caótica de guerra urbana. Durante o caos pode não haver exército lá fora atirando em você, mas pode haver gangues que te atacam para obter seus suprimentos. Estar sob cerco é como se alguém tirasse o chão em que você pisa.
Nada é como era antes. Quando você defende sua casa você precisa mudar de mentalidade. O lar não é mais um lugar aconchegante e seguro. O lar será o lugar que você escolheu para defender a si mesmo e aos seus entes queridos. Você se sentirá muito diferente em relação ao lugar que usou como base defensiva para sempre. Manter-se protegido ou tentar proteger-se contra disparos e bombardeios exigia alguma habilidade, conhecimento e, muitas vezes, boa sorte.
Posso dizer que no início as pessoas agiram com muita coragem, mas por outro lado aquilo não era coragem, estava mais para uma falta de conhecimento da facilidade com que o ser humano pode ser morto. As pessoas saíam como crianças com pistolas de água, só que ao se molharem poderia se sengue, talvez do seu amigo e muitas vezes do seu próprio.
Eu assisti algumas vezes como um homem atacando outro cara que está escondido atrás de algum disfarce. O atacante está apenas correndo em direção ao cara escondido e atirando constantemente. O homem escondido apenas se inclina para frente por um segundo, acerta o tempo e mata o atacante tolo. Quando você tem um monte de civis com muitas armas, algumas situações estranhas podem ocorrer. Lembre-se que estou falando de pessoas que a maioria delas não sabia muito sobre guerra, luta, táticas e tudo mais.
Não tínhamos uma filosofia inteligente de luta de rua, especialmente no início. Mas com o passar do tempo, algumas das coisas óbvias são percebidas ou aprendidas. Se alguém quisesse atacar alguém que está dentro de casa, a maneira mais comum era usar algo explosivo, como granadas de mão, o objetivo era lança-las pelas aberturas para chocar as pessoas lá dentro e criar alguns estilhaços voando por aí.
Em algumas outras situações (com bastante frequência) os caras usavam escudos humanos para chegar até a casa, muitos caras foram mortos porque pensaram que não era certo matar um pobre prisioneiro para defender a casa. Imagine que três bandidos vêm em sua direção e empurram duas mulheres mais velhas na frente deles. Situações terríveis como essas fizeram que tempo depois de algum tempo, a maioria atirava em tudo que parecia suspeito, não importando o que acontecesse.
A maior parte dos combates na cidade era como atirar e se esconder, lutar em movimento, era como lutar com sombras, elas estão por toda parte e cada sombra pode te matar. Você costuma brigar com pessoas que você nem vê bem, então andar ou correr com leveza era fundamental. Muitas vezes você não vê o inimigo e atira em qualquer coisa. Parece ruim, mas em muitas situações o muito bom era atirar em qualquer coisa que parecesse suspeita e, na maioria das situações, nem parar depois para verificar.
Você nunca sabe o quão bem você acerta. Basta pegar suas coisas e seguir em frente. Mexa-se, nunca pare, esteja sempre em movimento, esses tipos de frases ecoavam na mente de muitos durante aqueles tempos.
PSICOLOGIA NA GUERRA URBANA
O medo era um dos maiores aliados da luta, por isso se um do grupo quisesse matar ou expulsar outro grupo de alguma rua, posição ou prédio. O método usual era conversar com eles por horas através do megafone. Talvez dessa perspectiva pareça ridículo, mas se você ouvir por horas ou dias a mesma história de como você será bem tratado caso se entregue, depois de algum tempo muitas pessoas começarão a acreditar nisso. Em outros casos você pode ouvir por uma hora o que aqueles caras vão fazer com sua família e com você caso você não se entregue.
DIFÍCIL IMAGINAR COMO AS COISAS PODEM SAIR ERRADAS
Depois de assistir alguns vídeos sobre a Síria, algumas lembranças voltaram. Algumas dessas memórias sombrias se escondem bem dentro de mim. Não é fácil chegar até elas. Mas esta é uma das que voltaram. Meu amigo foi pego com seu camarada em uma casa, na verdade dois deles ficaram atrás das linhas inimigas, no porão da casa destruída. O grupo inimigo, cerca de 150-200 homens, estava varrendo aquela rua, roubando e matando civis que não tiveram tempo de fugir. Ele me disse que eles passaram dois dias no porão, cobertos com todo tipo de lixo, observando do lado de fora por uma pequena abertura, a poucos metros da abertura estava um cadáver de uma menina, talvez de 10 anos.
Para saber se alguém estava chegando ao seu porão, um deles precisava estar constantemente naquela pequena abertura, observando. Ele disse que conseguiu assistir às atrocidades que aquelas pessoas cometiam contra os civis e de alguma forma empurrar isso para o fundo do seu cérebro, ao longo do tempo, para guardar essas memórias. Mas ficar olhando para a criança morta, o tempo todo, com os olhos bem abertos, cabelos loiros, ele quase enlouqueceu.
Um deles tinha uma pistola e poucas munições, o outro tinha um fuzil, 30 disparos e granada caseira (feita de granada de tanque não detonada). Eles fizeram um acordo, se virem que o inimigo está vindo para o porão, eles vão atirar em tudo e se explodir com aquela granada. Ninguém entrou no porão, a casa queimada não era interessante para os outros caras. Depois de dois dias, o grupo inimigo simplesmente recuou.
Os dois sobreviveram à guerra. Um deles tornou-se viciado em drogas, viveu poucos anos e muito rápido morreu de overdose. O outro ainda é meu amigo, está na casa dos 40 anos, preparado, armado, forte, habilidoso. Ele tem dois filhos, um menino e uma menina, adolescentes. Ambos sabem atirar e muitas outras coisas.
Só posso escrever aqui, mas a realidade é uma coisa totalmente diferente, coisa que você não vai conseguir saber o que é com essas poucas linhas de texto. Quando as coisas ficam feias, algumas coisas podem parecer tão erradas que não podem ser compreendidas ou processadas com a mente normal.
Na verdade, não tem como lidar com isso, às vezes com os amigos a gente pode conversar sobre essas coisas, às vezes a gente ri, outras vezes alguns amigos meus ficam dias calados, não sei, tenho períodos assim também. Acho que nenhum de nós está lidando muito bem com isso, se afastando de vez em quando, tenho por exemplo alguns períodos em que sou muito agressivo, fácil de explodir, raramente, mas ainda acontecem.
Embora todo o meu conteúdo seja sobre sobrevivência urbana, espero que nunca mais tenhamos que passar por isso (de novo). Mas quando chegar a hora, estou pronto e você também deveria estar.
Texto traduzido e adaptado do site: SHTF School.