Na maioria dos meus cursos de sobrevivência, pergunto ao grupo se alguém já esteve em um cenário de sobrevivência real de vida ou morte. Desde se esconder em tocas de raposas lutando contra terroristas no Oriente Médio até ficar preso em um veículo durante uma tempestade de neve, ouvi todos os tipos de histórias ao longo dos anos. Há muito que me encantei com os detalhes dos cenários de sobrevivência contados pelos próprios sobreviventes. Eu sempre saio tendo aprendido algo muito interessante sobre a psique humana e até mesmo sobre mim.
Em uma dessas ocasiões, um senhor contou sua experiência de se perder uma noite depois de uma caçada. Ele havia atirado e ferido um cervo pouco antes do pôr do sol. Com a adrenalina ainda correndo em suas veias, a vontade de localizar seu troféu antes do anoitecer nublou a decisão de bom senso de voltar e só tentar perseguir a trilha do animal pela manhã. Após cerca de uma hora e meia de caminhada por quilômetros de arbustos de 3m de altura, ele finalmente perdeu o rastro de sangue. Mas essa não foi a única coisa perdida. Ele também ficou desorientado e confuso.
As sombras escuras do sol poente contra o terreno desconhecido faziam tudo parecer diferente em todas as direções. Em pouco tempo, estava escuro como breu. Ele não tinha lanterna, serviço de celular, abrigo, água – nada além de sua arma e as roupas do corpo.
Enquanto eu perguntava mais detalhes sobre a experiência, ele relutantemente confessou que sabia que estava perdido muito antes de admitir em voz alta para si mesmo.
Ele declarou: “Lembro-me de pensar que haveria algo que eu reconheceria logo adiante. Centenas de metros depois e eu ainda não tinha visto nada familiar.”
Para encurtar a história, ele passou a noite na floresta (quase congelando até a morte) e acabou pegando uma carona de volta à cidade depois de parar em um caminhão em uma estrada remota na montanha. Ele teve muita sorte mesmo. Essa experiência foi o que o levou a buscar treinamento de sobrevivência.
O que podemos aprender com essa e tantas outras experiências de sobrevivência semelhantes? A lição é simples: não deixe a negação superar o bom senso.
A negação é uma das poucas habilidades de sobrevivência com que nascemos. Embora para muitos tenha sido dominado com anos de prática, ninguém nos ensina como negar verdades evidentes. Um dia, essa habilidade natural de sobrevivência entra em ação, e começamos a negar as coisas para de alguma forma nos proteger. É um instinto humano natural para lidar com o estresse, dor, emoções, medo, ansiedade e tristeza. Mas mesmo que nossos instintos tenham boas intenções, nem sempre podemos ser governados apenas pelo instinto. Devemos decidir se esses instintos inatos de sobrevivência realmente têm a capacidade de guiar nossa mente rumo a ação mais apropriada naquela situação específica.
O poder da negação
A negação é um adversário muito poderoso, esgueirando-se sob o radar. É da natureza humana ter que enfrentar a negação durante circunstâncias difíceis ou estressantes. É uma ferramenta que nosso cérebro usa para desviar de verdades inevitáveis – mas quase sempre, especialmente em cenários de sobrevivência de vida ou morte, essas verdades estão chegando, quer as neguemos ou não.
Usando o exemplo da caçada acima, não importou o quanto ele tentasse negar o fato de que estava perdido, isso não teve nenhum efeito de autopreservação. Na verdade, isso só piorou sua situação.
Eu estava conversando com uma mulher há vários anos que havia sobrevivido a um ataque de urso quase fatal. Ela me contou como, enquanto observava o urso avançar em sua direção, ela se pegou imaginando o que havia atrás dela que fez o urso ficar com raiva. Isso era simplesmente sua mente negando fatos duros e frios por causa de sua incapacidade de encarar a verdade. Claro que o urso não estava bravo com nada atrás dela. Estava com raiva dela. A negação a impediu de tomar ações que poderiam ter tornado o ataque menos grave. Negar a verdade clara e evidente quase custou a vida dessa mulher. A negação é uma emoção poderosa (e complicada).
Negação e sobrevivência
Às vezes, enfrentar a verdade de sua situação é doloroso. Pode ser embaraçoso e muitas vezes é um golpe para o ego. No entanto, se safar de uma vergonha nunca é mais importante do que salvar sua vida.
Durante minhas palestras públicas, muitas vezes pergunto às pessoas se elas prepararam uma mochila de fuga para o caso de um desastre atingir sua casa. Muitos respondem que não. A resposta mais popular à minha pergunta imediata de “por quê?” é porque “eles não sentem que isso vai acontecer com eles”. Este é um exemplo simples de como a negação pode colocar as pessoas em apuros. Eles estão negando o fato de que um desastre repentino e inesperado pode atingir sua área imediata a qualquer momento sem aviso prévio. Isso acontece com pessoas de todo o mundo o tempo todo. Ninguém está isento. O senso comum (e a evidência estatística) diz que é de fato mais provável do que muitos imaginam. Coisas como essa me fazem pensar que pode haver uma linha tênue entre a negação e a preguiça.
Confronte a negação
Às vezes, especialmente em um cenário de sobrevivência com risco de vida, você precisa negar à negação o poder de controlar suas ações. Nunca é fácil, mas é sempre melhor para você.
A causa de nossa negação é tipicamente muito óbvia. Reconhecer e parar a negação antes que seja tarde demais é a parte complicada. Identificar a negação exige que prestemos muita atenção a nós mesmos. Adoramos analisar e criticar os outros, mas raramente nos olhamos no espelho.
Três sinais de negação a serem observados ao fazer um inventário de seus pensamentos são:
- Evitar uma questão ou problema;
- Minimizar as consequências de uma decisão ou evento;
- Recusar-se a aceitar fatos verdadeiros.
Quase todos os casos de negação que exacerbam um cenário de sobrevivência envolvem racionalizações em torno de uma dessas áreas.
A melhor maneira de evitar a negação é confrontar as verdades infelizes e estressantes o mais rápido possível. Torne-se um dono responsável de suas próprias decisões – boas ou ruins. Ignorar ou adiar más notícias só piora as consequências. Pratique reconhecer e confrontar a negação agora para que ela não o pegue de surpresa quando a sobrevivência estiver em jogo.
Texto traduzido e adaptado do site: Willow Haven Outdoor.