Polícia Civil aponta que grupo fez mais de 50 mil vítimas. Investigados induziam frequentadores de igrejas a pensar que eram 'abençoados a receberem grandes quantias'.
A Polícia Civil do Distrito Federal deflagrou, na manhã desta quarta-feira (20), uma operação com o objetivo de combater um grupo suspeito de praticar golpes financeiros contra mais de 50 mil vítimas em todo o Brasil e no exterior.
De acordo com as investigações, o grupo era composto por pastores que induziam fiéis que frequentavam suas igrejas a pensar que eram "abençoados a receberem grandes quantias". Os suspeitos usavam uma teoria conspiratória conhecida como “Nesara Gesara" e prometiam lucro de até um "octilhão" de reais (veja detalhes abaixo).
A Polícia Civil aponta que o grupo movimentou R$ 156 milhões em 5 anos, além de criar 40 empresas fantasmas e movimentar mais de 800 contas bancárias suspeitas. Os agentes cumpriram dois mandados de prisão preventiva e 16 de busca e apreensão no DF e em quatro estados — Goiás, Mato Grosso, Paraná e São Paulo.
A operação foi coordenada pela Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Ordem Tributária, vinculada ao Departamento de Combate a Corrupção e ao Crime Organizado (DOT/DECOR).
O esquema
De acordo com a Polícia Civil, os suspeitos usavam redes sociais para cometer os golpes. O objetivo era convencer as vítimas a investirem suas economias em falsas operações financeiras ou falsos projetos de ações humanitárias.
A Polícia Civil afirma que o grupo é composto por 200 integrantes, incluindo dezenas de pastores. A investigação aponta que os investigados prometiam retorno "imediato e rentabilidade estratosférica".
"Foi detectada, por exemplo, a promessa de que somente com um depósito de R$25 as pessoas poderiam receber de volta nas “operações” o valor de Um Octilhão de Reais, ou mesmo “investir” R$2 mil para ganhar 350 bilhões de centilhões de euros", apontam os investigadores.
Pessoas jurídicas fantasmas
Em seguida, ainda segundo as investigações, os suspeitos criavam pessoas jurídicas fantasmas para simular instituições financeiras digitais com alto capital social declarado. A intenção era dar aparência de veracidade e legalidade às operações financeiras.
Segundo a Polícia Civil, as vítimas assinavam contratos falsos, com promessas de liberação de quantias desses investimentos, que estariam registrados no Banco Central e no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).
Lucro diário
Segundo o delegado responsável pelo caso, Marco Aurélio Sepúlveda, os golpistas recebiam dinheiro dos "investidores" diariamente (veja vídeo acima).
Em entrevista coletiva, o delegado explicou que as vítimas compravam "cotas" oferecidas pelos criminosos com a promessa de que o dinheiro investido geraria lucros muito grandes no futuro.
Outra prisão
Em dezembro de 2022, a Polícia Civil prendeu um suspeito de envolvimento no esquema, em Brasília. A corporação aponta que ele usou um documento falso em uma agência bancária, simulando possuir crédito de R$ 17 bilhões. Mesmo após a prisão do suspeito, o grupo continuou a aplicar golpes.
Os alvos da operação devem responder por crimes de estelionato, falsificação de documentos, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, crimes contra a ordem tributária e organização criminosa.
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O que é a teoria de conspiração 'Nesara Gesara'
O que começou com uma tese de doutorado no início dos anos 90, nos Estados Unidos, acabou se tornando uma teoria da conspiração nos anos 2000. Nesara significa National Economic Security and Recovering Act — inglês para Ato para Recuperação e Segurança da Economia Nacional.
A teoria foi usada por investigados em uma operação da Polícia Civil do Distrito Federal que apura golpes financeiros contra mais de 50 mil vítimas no Brasil e no exterior (veja detalhes abaixo). Os alvos prometiam resultados de um "octilhão" de reais nos investimentos feitos.
Conforme um podcast da BBC, que foi ao ar em agosto de 2021, em um dos seus estudos, Harvey Francis Barnard propôs um pacote de reformas econômicas que previam:
- Abolição de impostos;
- Perdão de dívidas de consumidores;
- Mudança radical no sistema monetário.
Em 1996, Barnard publicou um livro com suas ideias. Ele acreditava que ia persuadir o Congresso dos Estados Unidos a substituir o imposto de renda por um imposto nacional sobre vendas. No entanto, não obteve sucesso.
O Nesara e as redes sociais
Nos início dos anos 2000, o Nesara ganhou força com ares de teoria da conspiração, a partir da blogueira estadunidense Shaini Goodwin. Antes de se espalhar fake news, Goodwin já havia se envolvido em golpes financeiros, segundo a BBC.
Nas redes sociais, a blogueira afirmava que o ex-presidente dos EUA Bill Clinton — que governou o país entre 1993 e 2001 — já havia aprovado o Nesara, o que não é verdade. Goodwin defendia ainda que os ataques do dia 11 de setembro haviam sido armados pelo também ex-presidente George W. Bush, com o objetivo de barrar a implementação do Nesara no país.
Durante a pandemia de Covid-19, a teoria conspiratória ganhou ainda mais força e se espalhou pelo restante do mundo. Assim, surgiu sua segunda vertente, a Gesara: Global Economic Security and Recovering Act — inglês para Ato para Recuperação e Segurança da Economia Global.
Além das medidas já propostas por Barnard nos anos 90, as pessoas que acreditavam ainda que as moedas de todos os países valeriam uma cotação única a partir da adoção da Gesara.
Os investigados na operação desta quarta-feira (20) acreditavam que, a partir desta teoria, haveria uma "redistribuição de renda" no mundo e os primeiros a receber a cota seriam os que contribuíram para o projeto.