Presidente Vladimir Putin afirmou em abril do ano passado que nova arma é capaz de "causar o fracasso de todos os sistemas antiaéreos" e que "fará refletir duas vezes aqueles que tentam ameaçar a Rússia"
O governo de Vladimir Putin anunciou nesta sexta (1º) a entrada em serviço do mais poderoso míssil balístico intercontinental armado com ogivas nucleares do mundo, o RS-28 Sarmat, chamado informalmente no Ocidente de Satã-2.
Segundo a Roscosmos, agência espacial russa, o primeiro regimento do armamento foi ativado, mas não foram dados detalhes de quantos silos estão equipados. Segundo analistas militares russos, eles devem estar localizados na região de Krasnoiarsk, na Sibéria.
Tal opacidade é normal quando assunto são armas nucleares em qualquer um dos Estados que possuem tal capacidade —Rússia, EUA, China, França, Reino Unido, Índia, Paquistão, Coreia do Norte e Israel. Mas ela também serve a fins de propaganda, dada a tensão sem precedentes entre Moscou e o Ocidente devido à invasão russa da Ucrânia, que já completou um ano e meio sem expectativa de solução, militar ou diplomática, no horizonte próximo.
Com efeito, especialistas em armas nucleares respeitados, como Hans Kristensen (da FAS, Federação dos Cientistas Americanos), são céticos acerca da capacidade da Rússia de colocar quantidades significativas do míssil em operação —se tanto.
Ele cita o fato de que o segundo teste conhecido do Sarmat, realizado em fevereiro deste ano, aparentemente falhou na separação do segundo de seus três estágios. A Rússia não comentou o episódio, e até hoje só fez público o primeiro ensaio do míssil, em abril de 2022, que foi bem-sucedido.
O Sarmat, que homenageia os sarmácios, povo guerreiro que dominou as estepes do sul russo e a Ucrânia dos séculos 3 a.C. a 4 d.C., é uma das seis "armas invencíveis" anunciadas por Putin em 2018 —dessas, já estão operacionais os mísseis hipersônicos Kinjal e Tsirkon, além do planador hipersônico transportado por míssil balístico Avangard. Ainda estão em desenvolvimento o "torpedo do Juízo Final" e um míssil de cruzeiro com propulsão nuclear.
O programa foi visto com desconfiança no Ocidente, por seu evidente caráter belicista e ameaçador, mas o fato é que o Kinjal é usado pontualmente na Guerra da Ucrânia, onde aparentemente já foi interceptado, o Tsirkon está em operação numa fragata russa, e o Avangard, com ao menos um regimento ativo.
O novo míssil é o mais avançado e poderoso em operação no mundo. É um gigante: tem 35,5 m de comprimento e 3 m de diâmetro, podendo carregar de 10 a 14 ogivas nucleares independentes com entre 350 quilotons e 800 quilotons (de 23 a 53 vezes mais poderosas que a bomba de Hiroshima cada uma), e um número agora estimado em até 16 planadores hipersônicos que podem ser armados.
Esses dados foram fornecidos em 2019 na feira militar anual de Moscou pelo governo, mas obviamente não são apurados de forma independente. Segundo analistas militares russos, há duas outras configurações para o míssil, para o emprego de uma ogiva única de até 20 megatons (1.300 bombas de Hiroshima), mas não há confirmação disso.
Soa suspeito. O uso de armas tão poderosas, uma tendência na Guerra Fria para gerar temor no adversário, foi revertido em favor de opções mais versáteis e econômicas ao longo dos anos. Mas ainda assim não há nada no mercado com tal capacidade: a família DF-5 chinesa é até um pouco maior em tamanho, mas trata-se de um modelo dos anos 1970.
Já o alcance do Sarmat, também algo insondável até que ele seja usado, é motivo de preocupação mais concreta para adversários. Com até 18 mil km anunciados, ele poderia atingir alvos em praticamente todos os territórios do planeta.
Em comparação, o único míssil intercontinental baseado em terra dos EUA, o Minuteman-3, tem 18,3 m de comprimento, 1,7 m de diâmetro, alcance máximo de 13 mil km levando um máximo de três ogivas de 350 quilotons cada —atualmente, para respeitar limites do último tratado de contenção de armas estratégicas, que está suspenso por parte da Rússia desde o começo do ano, eles carregam apenas uma bomba.
A limitação atual do tratado Novo Start, de 1.600 ogivas estratégicas para cada país, foi mantida por Moscou apesar da suspensão. Isso porque analistas creem que haja dificuldades reais para a expansão do arsenal russo.
O Sarmat, futuramente, deverá substituir o atual RS-36M, conhecido no Ocidente como SS-18 Satã —daí a designação Satã-2 para a nova arma. O Satã é o principal míssil lançado por silos da Rússia, mas a paleta desses armamentos é mais variada no país do que nos EUA ou nas outras potências nucleares.
Enquanto Washington opera apenas o Minuteman em solo e o Trident-2 em submarinos, para ficar nas armas estratégicas principais, Moscou tem no Sarmat seu 13º modelo operacional, embora muitos sejam obsoletos hoje, herança da União Soviética. Mas os russos empregam algo que os EUA não têm, lançadores móveis, para aproveitar as vastas distâncias do maior país do mundo, dificultando a detecção pelos rivais.
Além disso, ambos os países operam mísseis de cruzeiro e bombas capazes de carregar ogivas táticas, de menor potência e uso teoricamente mais restrito a alvos militares. Os EUA têm um programa de modernização de seus mísseis em curso, e na semana que vem deverá fazer o lançamento de um Minuteman.
O debate acerca da hipótese de Putin empregar uma arma dessas na Ucrânia surge de tempos em tempos, mas por ora parece mais recurso propagandístico, dados os riscos de escalada naturais com os vizinhos da aliança ocidental Otan. O russo, por sua vez, sempre que pode saca a carta nuclear da manga para lembrar os riscos de enfrentar seu país.
A Rússia opera hoje o maior arsenal nuclear do mundo, seguida de perto pelos EUA. Juntas, as potências têm cerca de 90% das 12.500 ogivas do planeta, entre armas prontas para uso, em reserva ou aposentadas em estoques, segundo a referencial FAS.
-
Por Folha Press / CNN Brasil.