Maior produtor de café do mundo, o Brasil entrou no radar de preocupações do mercado exterior: colheitas recentes foram prejudicadas pelas alterações climáticas nas principais áreas de produção do país. A reportagem conversou com um especialista do mercado para explicar o fenômeno.
A apreensão global é tanta que uma eventual escassez da safra brasileira, que chega a três toneladas anuais em média, chegou a ser assunto de uma reportagem do Wall Street Journal no domingo retrasado (21).
Logo nas primeiras horas da manhã desta terça-feira (30), o chamado mercado futuro do café arábica (ou seja, contratos estabelecidos previamente, de safras ainda não colhidas) abriu valorizado na Bolsa de Nova York devido às preocupações com a oferta global do grão. Por volta de 09h15, a safra de dezembro de 2022 registrou alta de 275 pontos, enquanto a de março e a de maio de 2023 registraram respectivamente 255 e 235 pontos, o que indica que compradores estão aumentando o valor de suas ofertas.
O ânimo do mercado vem a reboque de certa instabilidade climática: no fim da semana passada, por exemplo, vendavais atingiram regiões produtoras no Espírito Santo, Bahia e Minas Gerais.
Há ainda a preocupação com a falta de chuvas nas demais regiões produtoras, o que afetará a safra de 2023/2024. Segundo a consultoria Archer, a safra atual (2022/2023) está em xeque sob a estimativa de produção entre 45 e 65 milhões de sacas.
Sem dar números, a Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé (Cooxupé), uma das maiores entidades de produtores de café do país, prevê uma redução na atual produção quando comparada com a safra passada. De acordo com dados que a associação informou à agência Reuters, até o último dia 19, produtores haviam colhido pouco mais de 85% da produção esperada.
Diante desse cenário, quais as consequências tanto para o mercado interno, que já sentiu os preços aumentando na ponta final devido ao aumento dos preços dos combustíveis, fundamentalmente provocado pelas sanções impostas à Rússia, quanto para o externo?
Para Celírio Inácio, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), os fundamentos por aqui estão "bem firmes".
"[Houve] uma incerteza sobre a confirmação do número de sacas previstas para essa safra que acabamos de colher e sobre o clima, que voltou a preocupar devido à falta de chuvas das últimas semanas. Já se iniciou a florada [da próxima safra] em alguns lugares. É necessária a chuva para vingar e para que as flores se tornem frutos. Rompemos um ano muito difícil para a indústria, que não conseguiu repassar os aumentos dos preços da matéria-prima e insumos. Qualquer mexida nos preços do grão cru vai pressionar ainda mais os preços do [grão] torrado e moído", observa.
Ele aponta que, a curto e médio prazos, à exceção de algum fator impactante (clima, dólar, políticas governamentais ou preço de frete), e como já existe muito café já negociado a preços fechados, não se deve ter um aumento em termos de valores.
A longo prazo, porém, essas variações podem ter um impacto importante nos preços.
Sobre o mercado internacional, Inácio explica que o custo é regido por vários fatores além dos presentes aqui, já que a formação dos preços depende de outros ativos, como o valor que é negociado em bolsa, a posição dos fundos, o custo de logística marítima, entre outros.
O preço depende também do clima dos países produtores, da expectativa do consumo, da valorização do dólar e dos estoques dos países consumidores.
Mesmo com essas variáveis, o aumento do valor para o consumidor internacional já desponta no horizonte.
"A manutenção dos preços com viés de alta é uma realidade. Nada em café é imediato. A produção de um ano é colhida no ano seguinte. Por isso, para que a casa se arrume novamente, para que exista um ciclo de tranquilidade entre produção, estoque, consumo e preço, no mínimo ficaremos com essa tensão até o segundo semestre de 2024", prognostica.
As chuvas serão um ponto crucial para o mercado nos próximos meses, afirma Celírio.
Caso elas ocorram, o fornecimento de café, tanto ao Brasil quanto ao exterior, será normal e os preços tendem a ficar mais estáveis ao longo dos próximos meses. "Se tivermos menos chuvas neste momento de florada, aí, possivelmente, teremos um momento importante para novas altas de preços de café", conclui.
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Por Sputniknews Brasil.